Empresas e indústrias ampliam a autoprodução para economizar na conta de luz, eliminar a instabilidade e reduzir emissões
Energia barata, limpa e disponível 24h por dia. Parece improvável, mas a tríade tem se tornado uma realidade para um número cada vez maior de grandes consumidores que decidiram investir na geração da sua própria energia. No início de junho, a AmBev assinou contrato para a construção de 31 usinas solares que vão abastecer os 94 centros de distribuição da cervejaria. A empresa investirá R$ 140 milhões em 10 anos para gerar um volume de energia suficiente para abastecer 15 mil residências. “Na média, a energia deve ser mais barata, mas o benefício mais significativo é o ambiental, não o financeiro”, afirma o diretor de sustentabilidade e suprimentos da Ambev, Leonardo Coelho. A concorrente Heineken vai pelo mesmo caminho. Anunciou um investimento de R$ 40 milhões para a construção de um parque eólico em Acaraú, no Ceará, que responderá por 30% do consumo das 15 cervejarias da marca no País.
Investimentos assim estão se tornando possíveis graças ao barateamento da tecnologia, o que tem transformado a geração distribuída na grande aposta de empresas que buscam a diminuição dos custos, qualidade e estabilidade no fornecimento. Fazem sentido no mundo inteiro, mas sobretudo num país em que o custo é alto e a oferta, instável. Dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) expressam essa tendência. O setor vem crescendo mais de 100% ao ano à medida em que os custos de implementação despencam. O preço dos equipamentos caiu 83% de 2002 a 2018. “O aquecimento do mercado só não é maior pela falta de uma política tributária que incentiva a fabricação dos equipamentos no Brasil”, diz o presidente da entidade, Rodrigo Sauaia. “Uma política com metas voltadas para uso de energia solar em prédios públicos aliviria o orçamento dos governos”, afirma.
A exemplo das cervejeiras, a Honda investe em energia renovável, mas apostando no vento. A montadora anunciou que vai expandir a capacidade de geração de seu parque eólico em Xangri-Lá, no Rio Grande do Sul, ampliando para 10 o número de aerogeradores. Com o investimento, poderá suprir a demanda e assegurar que todos os automóveis sejam produzidos no País com energia limpa e renovável. E, se quisesse — acredite — poderia estocar vento. Isso mesmo. A hipótese que virou piada em 2015 após o discurso da presidente Dilma Rousseff é realidade em muitos países e chegou ao Brasil graças ao uso de baterias. Na verdade, é possível armazenar energia independentemente do tipo de fonte geradora. A rede McDonald’s testa a tecnologia em uma de suas unidades na cidade de São Paulo, que tem placas solares no telhado. Isso garante fornecimento estável durante o dia, sem qualquer interrupção devido a oscilações externas, e também à noite.
CRESCIMENTO A GE vê no segmento uma fonte de crescimento no País. A companhia passou a oferecer uma tecnologia de armazenamento disponível nos EUA, em que contêineres com baterias de lítio geram energia suficiente para abastecer 135 casas por um dia inteiro. “A instalação é 100% da empresa e não é preciso esperar pela Aneel ou pela distribuidora”, afirma o líder de novas tecnologias da GE, Rodrigo Salim. “É um segmento que vai se desenvolver bem rápido em dois ou três anos.” A multinacional americana não é a única despertar para a oportunidade. A EDP trabalha em um projeto piloto no Espírito Santo. “O armazenamento ainda é muito caro, mas há cinco anos o custo das placas solares também era alto”, afirma o vice-presidente de estratégia da EDP, Carlos Andrade. “Vai acontecer o mesmo com as baterias”.
A Micropower-Comerc tenta transformar a barreira do custo em oportunidade. A ideia é pagar o investimento das baterias com a redução dos gastos na conta. A operação consiste em armazenar a energia e usá-la nos momentos do dia em que a tarifa está mais alta.“Não cobramos nada para viabilizar as baterias e rentabilizamos o negócio ao receber um percentual do valor que o cliente deixou de gastar”, afirma o diretor da empresa, Marcel Haratz. “Para os clientes residenciais essa mudança vai demorar, mas para os outros consumidores é muito viável. Toda mudança de cultura leva um tempo, mas é um mercado maduro nos Estados Unidos e Austrália”.
Enquanto o segmento de armazenagem não deslancha, a EDP segue ajudando grandes clientes a se tornarem autoprodutores. Na última semana, entregou à Multiplan duas usinas solares. O sistema vai gerar 17,5 GWh por ano, o suficiente para abastecer cerca de 9.700 residências e evitará a emissão de 227.655 toneladas de gás carbônico ao longo de 25 anos. “Em estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde as tarifas de energia são muito altas, o investimento em geração se paga”, afirma Andrade. “Só com o Village Mall, a Multiplan vai ter economia, em 10 anos, de R$ 55 milhões.”
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O Banco do Brasil encomendou à EDP uma planta para atender 88 de suas agências em Minas Gerais. A intenção é levar a outros estados. “O autoconsumo remoto funciona muito bem. A planta não precisa estar no terreno da empresa”, afirma Andrade. Além do consumo próprio, o setor se mobiliza para viabilizar a possibilidade de revenda, como já existe em outros países. “Estamos pleiteando na ANEEL a possibilidade do consumidor vender seu excedente de energia. Ele ficaria com o autoconsumo e venderia o excedente para o mercado livre. Seria bom para todos”, afirma o presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (ABRACEEL), Reginaldo Medeiros. Sem dúvida, uma forma inteligente de aliviar a carga no sistema elétrico nacional e o bolso dos consumidores.
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